Chovia fininho lá fora, chuviscou a madrugada toda. Sem querer chover, sem querer. Senti isso ao ver os nossos nomes escorrendo pelo chão frio e grosseiro da avenida Alameda 7, rua essa que faz divisa com o meu edifício. Prédio que é o meu único refúgio, quando da janela, faço parte da chuva todas as noites. Fico observando eu e você desfilando num mesmo compasso de passos, num mesmo intervalo de tempo. Eu gosto quando chove, sabe? Gosto mesmo. Só não gosto de ver desperdiçar um liquido tão puro só pra me fazer lembrar que acabamos sempre no final de cada esquina. Num esgoto fedido no qual aquela água limpa se deságua junto a nós, se eu faço isso todos os dias com os olhos, sem agredir o ambiente. Sem cobrar taxas mensais da população.
Não posso te matar por essa chuva que caí mais de mim do que das nuvens do céu. Não posso. Não posso esquartejar seu íntimo, nem te odiar pelas centenas de vezes em que eu disse baixinho pra mim que te amava. Não posso acabar com você se as nossas coincidências agora são viáveis o bastante para acabar por nós. O número da minha avenida é 7. Tivemos sete vidas em uma, coração. Essas sete vidas não morreram por acaso. Não fomos par coincidentemente.
Nós dissemos "tchau" fabulosamente juntos naquela madrugada. Nós não queríamos dizer.
Nos dispersamos com os nossos olhos e ainda chove forte dentro do meu quarto. Sabemos o quanto perdemos em todas essas vidas que se resumem a duas, as nossas. Quantas coisas bonitas se difundiram com o passar dos dias secos sem a intolerável falta de nós. Quantas sementes fomos impedidos de fazer germinar e quantas árvores deixaram de florescer por nossa causa. Nós sabemos e nunca protestamos. Se o vento que vem com a chuva forte que caí em mim, fosse mais forte que o sentimento que nos une, talvez varreria tudo de vez. Talvez. E ironicamente é essa mesma metamorfose de vento que acaba conosco um pouco mais a cada dia e nunca tem fim. Você faz não ter.
O escuro, o frio e o silêncio da minha madrugada são os mais penosos. As regras do que, juntadas as ordens de como... São devastadoras. Não te ver com frequência é um vácuo depressivo. Estar contigo e não te ter inteiramente é incalculavelmente debilitante. Somos a impotência do veneno, exceto quando o antídoto é para salvar as nossas outras sete vidas, em outra vida. Let's meet. E que por essas não quero que chova, não mais de madrugada.
A água da chuva.
Aos estados e sentimentos em que nasce.
Tatiane Salles.